Moacir José Sales Medrado[1]
1. Introdução
Acredita-se, desde há muito tempo, que a única solução para alimentar a população mundial crescente é uma agricultura que use, intensivamente, os insumos industriais, a mecanização e os recursos biotecnológicos. Este modelo, posto em prática em países subdesenvolvidos onde, geralmente, os níveis educacional e de poupança, no setor rural, são baixos e as inovações biotecnológicas, que chegam ao campo, são reduzidas, ao invés de trazer os benefícios esperados, tem causado significativas perdas das florestas e dos solos, em virtude da derrubada e queima e da mecanização intensiva, que provoca erosão, desertificação, salinização e outros processos de degradação ambiental.
No Brasil, esta situação agravou-se com os problemas ocasionados pelos extrativismos mineral e vegetal e pela construção de hidrelétricas. De certa maneira, este agravamento, ocorreu, também, pelo não reconhecimento da influência da agricultura familiar na produção agropecuária brasileira.
A região Sul do Brasil, por exemplo, abrange uma área de aproximadamente 580.000 km2, assim distribuída: pastagens, 47%; lavouras, 35%; florestas naturais, 11%; florestas plantadas, 4% e terras não utilizadas, 3%. Portanto, o grau de ocupação das terras agricultáveis é muito alto, limitando o crescimento da produção via abertura de novas áreas (Schreiner, 1995). Maydel (1989) já alertava sobre uma provável e próxima crise, quando o crescimento quantitativo se aproximar de seu final, dando origem à tendência da busca da economia dos recursos.
Conforme Schreiner (1995), uma insensata devastação das florestas naturais, até o passado recente, reduziu a oferta de madeira a ponto de não mais atender a demanda da região, acentuando as secas, a intensidade das erosões, o assoreamento de cursos d’água e o aumento das enchentes. Nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, tem-se constatado uma deficiência de madeira, tanto para energia quanto para serrarias. São, também, inúmeras as áreas com o potencial para uso agrícola diminuído, muitas delas em estado de degradação. Em função desses fatos expostos, os fatores social, econômico e ecológico, vem há anos, afetando as regiões Sul e Sudeste. O fator social diz respeito à defasagem entre o desempenho dos grandes grupos empresariais e o dos médios e pequenos empresários. Os dois últimos, desprovidos de recursos para custeio e comercialização de seus produtos, tornam-se, muitas vezes, insolventes; O fator econômico decorre da devastação das florestas, inicialmente, pela exploração madeireira e, posteriormente, pelo avanço da fronteira agrícola. Os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do sul que, no passado, possuíam 85%, 85% e 40%, respectivamente, de cobertura florestal, apresentam áreas remanescentes de 5%, 6% e 2,6%, respectivamente (Pusch, 1990); O fator ecológico decorre dos grandes empreendimentos (construções de hidrelétricas, minerações, etc.) que levam, na maioria das vezes, à degradação ambiental.
Em função dessas situações, a defesa do meio ambiente tem sido um dos temas mais debatidos nas discussões que visam estabelecer um padrão de desenvolvimento agrícola para o próximo milênio. Desta forma, iniciaram-se esforços de prefeituras, universidades, cooperativas e outras organizações não governamentais (ONGs), para implementação de programas de reflorestamento com perspectiva de desenvolvimento sustentado dos setores agrícola e florestal. No entanto, tem sido difícil, de acordo com Maydel (1989), para engenheiros agrônomos e florestais comprovarem que os benefícios da floresta e das árvores são de importância imediata para aqueles que vivem nela ou em torno dela. Por isto, as atividades florestais têm sido forçadas a ocupar sítios cada vez mais marginais.
Conforme Medrado et al. (1994), a maioria dos produtores descarta o plantio de árvores em sua propriedade, pelo fato das mesmas lhes tirarem áreas destinadas à agricultura ou à pecuária; a agrossilvicultura, por sua vez, se constitui em excelente opção para reverter tal situação. Os sistemas agroflorestais (SAFs) apresentam várias vantagens, frente aos sistemas monoculturais tais como: utilização mais eficiente do espaço, redução efetiva da erosão, sustentabilidade da produção e estímulo à economia de produção, com base participativa.
Projetos agroflorestais, em terras hoje ocupadas com sistemas de monocultivo, seja agrícola ou florestal, constituem-se numa boa opção (Schreiner, 1995), para a oferta, simultânea, de madeira, alimentos e outros bens. Esses projetos beneficiam os empresários florestais, diminuindo os custos de implantação e de manutenção inicial de seus povoamentos, com a receita produzida pelo cultivo intercalar, bem como os agricultores e pecuaristas, garantindo condições ambientais mais propícias para suas lavouras e um suprimento de madeira, para uso próprio ou para comércio. Além disto o plantio de árvores em lavouras e pastagens constitui uma forma de reposição, embora diminuta, da cobertura florestal destruída durante o avanço da fronteira agrícola. Partindo-se deste conhecimento, pode-se afirmar que os sistemas agroflorestais se constituem numa alternativa interessante para implementação na região, embora sejam escassos os conhecimentos sobre sua utilização atual e potencial. Essa escassez de informações tem dificultado sua difusão pela extensão rural e pelas cooperativas existentes. Todavia, a partir de 1994, iniciou-se a caracterização dos mesmos, pelo Centro Nacional de Pesquisa de Florestas .
Este documento visa, portanto, abordar conceitos agroflorestais básicos, além de apresentar resultados de trabalhos realizados em agrossilvicultura, tendo como base o eucalipto, o pinus e a erva-mate. Objetiva, também, apresentar sugestões para o desenvolvimento da agrossilvicultura no país, inclusive com espécies florestais, potenciais, não tradicionais. Isto poderá servir de ponto de partida para um trabalho de extensão agroflorestal e de pesquisa participativa.
2. Introdução do componente florestal na propriedade rural, com ênfase em sistemas agroflorestais.
2.1. Aspectos Gerais
De acordo com Martinez & Hector (1989), as propriedades rurais das regiões tropicais incluem as árvores como um componente importante de suas atividades produtivas, especialmente no caso de pequenos e médios produtores. Nessas, elas estão presentes como cercas vivas, quebra-ventos, árvores frutíferas, árvores para proteção de animais, pomares caseiros, produtoras de forragem, medicinais, etc. Na região sul, todavia, o uso de espécies arbóreas e arbustivas, como fonte de produtos e serviços, nas pequenas e médias propriedades, ainda não é grande, principalmente, porque os produtores as têm como competidoras com seus cultivos agrícolas. Os autores citados, relacionam várias formas de introdução do componente florestal na pequena propriedade, tais como:
a) Sistema de árvore com cultivos
Árvores dispersas em forma irregular, árvores intercaladas, árvores para sombra inicial, árvores para sombra permanente, árvores em cultivos seqüenciais, árvores com cultivos em aléias, plantios em linhas, árvores como tutores vivos, árvores plantadas no sistema “Taungya”.
b) Sistema de árvores para proteção
Cercas vivas, quebra-ventos, barreiras vivas.
c) Plantios compactos
Bancos forrageiros, pomares domésticos.
d) Árvores em potreiros
Árvores esparsas e bosquetes para sombreamento de pastagens.
2.2. Sistemas agroflorestais: definição e tipificação
São muitas as definições sobre sistemas agroflorestais, tendo a Embrapa Florestas, optado pela seguinte: “um sistema de manejo sustentado da terra que aumenta o rendimento da mesma, combinando a produção de plantas florestais com cultivos agrícolas e/ou animais, simultânea ou consecutivamente, de forma deliberada, na mesma unidade de terreno, envolvendo práticas de manejo em consonância com a população local”. De acordo com Nair (1989a), pode-se categorizar os sistemas agroflorestais com base nos aspectos estruturais, funcionais, socio-econômicos e ecológicos. Estruturalmente, deve-se considerar a mistura espacial dos componentes lenhosos, a estratificação vertical dos componentes e o arranjo temporal dos mesmos. Funcionalmente, a categorização depende da função do sistema, seja de produção ou de serviço. Economicamente, podem diferir em relação às entradas ou às escalas de manejo e objetivos comerciais. Ecologicamente, pode-se definir sistemas agroflorestais em relação às regiões ecológicas. Estas classificações, de acordo com o autor, não são independentes e, para tornar mais inteligível, o autor as divide de acordo com:
· a natureza dos componentes:
Agrossilvicultural ou Silviagrícola – árvores e/ou arbustos mais culturas agrícolas;
Silvipastoril – árvores e/ou arbustos mais pastagens e/ou animais;
Agrossilvipastoril – árvores e/ou arbustos mais culturas agrícolas, mais pastagem e/ou animais.
· o arranjo dos componentes
Os arranjos espaciais das plantas em um sistema agroflorestal podem resultar em misturas densas (pomar caseiro) ou misturas esparsas (sombreamento de pastagens com árvores esparsas). Também, as espécies podem estar em zonas ou faixas de extensões variáveis. O principal exemplo de padrão zonal, segundo o autor, é o sistema de cultivos em aléias (“alley cropping”). Todavia, há situações em que parcelas grandes de espécies para produção de frutos, forragem, carvão, contenção de animais, conservação de solo e quebra-ventos podem ser consideradas sistemas agroflorestais. Esta situação pode levar ao extremo do cultivo solteiro (a interação entre os componentes é que define se o sistema é agroflorestal zonal ou de cultivo solteiro).
O arranjo temporal das plantas, em agrofloresta, também, é bastante complicado. Nair (1989a) cita como exemplo extremo o sistema de agricultura migratória envolvendo dois a quatro anos de cultivos agrícolas e mais que quinze anos de pousio após o que uma nova cultura agrícola poderá ser semeada. Também, podem ocorrer sistemas silvipastoris onde espécies de gramíneas são plantadas em rotação para produção de feno ou pastagem, permanecendo no sistema por vários anos. Estes arranjos temporais são conhecidos como concomitantes, coincidentes ou seqüenciais (do qual o caso extremo é o cultivo separado), separados e interpolados.
· a natureza funcional
Neste caso, os sistemas podem ser definidos como agroflorestais com função produtiva ou com função de serviço. Como os SAFs, normalmente, têm como componentes espécies de múltiplo propósito, eles quase sempre apresentam as duas funções, com graus de variações. Deve-se, portanto, classificar o sistema de acordo com a função que prevaleça em cada caso.
· a natureza ecológica
Esta definição baseia-se na análise da zona agroecológica para qual o sistema tem validade, seja para o trópico úmido, para o trópico semi-árido, etc.
· a natureza econômica
Os critérios usados referem-se, normalmente, à escala de produção ou ao nível de tecnologia e de manejo. Lundgren citado por Nair (1989a), classificou-os em sistemas agroflorestais comerciais, de subsistência ou intermediários. Um sistema agroflorestal(SAF) comercial diz respeito a mão-de-obra contratada, onde um produto para venda representa o principal ganho econômico, e que a escala operacional é de média a grande. Por exemplo, combinações de seringueira e soja, dendê e coco, plantios tolerantes a sombra como café, cacau e chá e várias formas de “Taungya”. Por sua vez, o termo subsistência refere-se a um sistema em que o objetivo maior é a satisfação das necessidades básicas e a mão-de-obra envolvida é familiar. Obviamente, existem os sistemas intermediários em termos de produção e manejo, entre os dois citados.
Cada um destes critérios, conforme Nair (1989a), tem sua aplicabilidade em situações específicas, mas tem suas limitações. Na realidade, segundo o autor, nenhum esquema pode ser considerado com aplicabilidade universal e o problema pode ser suavizado se os aspectos estruturais e funcionais servirem de base para categorização dos sistemas e os aspectos agroecológicos e socioeconômicos para grupá-los.
2.3. Diferenças entre sistema, subsistema, práticas e tecnologias agroflorestais.
O termo sistema agroflorestal usado na literatura específica não se atem somente à mercadoria e tem como base de demarcação e definição, de acordo com Young citado por Nair (1989b), não somente aspectos biológicos ou técnicos, mas também econômicos e sociais. Acrescentando ainda a conceituação de Raintreé (1987), um sistema agroflorestal pode ser considerado um tipo de sistema de uso da terra que é específico de uma localidade e descrito de acordo com sua composição biológica e arranjo, nível técnico de manejo, ou características socioeconômicas.
O subsistema agroflorestal, segundo Nair (1989b) pode ser entendido como uma parte do sistema agroflorestal com o papel, conteúdo e complexidade menor que o do sistema em si. Outra forma de entendê-lo é que cada um subsistema produz uma determinada necessidade básica do sistema. Um sistema regional poderá, portanto, ser composto de subsistemas de produção de forragem, subsistema de produção de energia, etc.
Prática agroflorestal, segundo Nair (1989 b), consiste de uma operação específica do manejo de um sistema agroflorestal e normalmente é tida como um arranjo dos componentes agroflorestais no espaço e no tempo. Como afirma o autor, embora existam vários sistemas agroflorestais no mundo, existem somente algumas práticas agroflorestais que compõem os mesmos. Pode-se citar como exemplos, plantio em alamedas, árvores e arbustos em bosquetes, árvores ou arbustos utilizados em conservação de solo, quebra-ventos, etc. Um ponto importante citado pelo autor é que uma prática agroflorestal pode existir mesmo em um sistema de uso da terra que não seja agroflorestal.
O termo tecnologia agroflorestal, por sua vez, segundo Nair (1989b) significa uma inovação ou melhoramento, normalmente, através de uma intervenção científica que pode ser aplicada com vantagens no manejo de um sistema ou de uma prática. Como exemplo podemos citar uma espécie florestal melhorada que seja incluída em determinado sistema regional.
3. Práticas e sistemas agroflorestais
Existe um grande número de alternativas para a organização de sistemas agroflorestais em propriedades rurais, os quais descreveremos a seguir. Eles aparecem ilustrados na Figura 1.