Imagem Logo Pesquisa Agroflorestal: Diálogo entre o campo experimental e a pesquisa participativa em direção à sustentabilidade

Pesquisa Agroflorestal: Diálogo entre o campo experimental e a pesquisa participativa em direção à sustentabilidade


Moacir José Sales Medrado[1]

 

I – Introdução

Historicamente, no Brasil, a derrubada de florestas naturais moveu a expansão agropecuária que, “com a revolução verde”, passou a basear-se em sistemas de produção simplificados do ponto de vista das relações ecológicas no agroecossistema e das relações sociais e econômicas relacionadas ao seu manejo.

Nas quatro últimas décadas, o desequilíbrio ambiental causado pelo modelo simplificado de agricultura fez os cientistas buscarem sistemas alternativos de produção capazes, em alguns casos, de recuperar áreas degradadas por mau uso agropecuário. O primeiro registro científico de sistemas agroflorestais no Brasil, segundo Reis et al. (2007), foi feito por Gurgel Filho (1962).

Na década de 70, a Embrapa Amazônia Oriental, a Ceplac - Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira, a Universidade Federal de Viçosa - UFV e a Embrapa Florestas passaram a incentivar a implantação de SAFs nas estações experimentais de suas unidades e propriedades privadas, na Amazônia, no Nordeste, no Sudeste e no Sul do Brasil respectivamente. Na época, as experiências com SAFs desenvolvidas por estas instituições eram, em sua maioria, sistemas silviagrícolas de baixa complexidade e sistemas agrossilvipastoris voltados para pequenas propriedades familiares (na Amazônia e Semiárido) e empresários (Sul e Sudeste). Eles eram desenhados quase sempre por pesquisadores e testados nas estações experimentais, com exceção de alguns trabalhos implantados e conduzidos nas grandes empresas florestais.

Na década de 90, os SAFs passaram a ter maior importância no mundo e no Brasil, junto às instituições de pesquisa, o que pode ser constatado pela criação do ICRAF - Centro Mundial Agroflorestal que, em parceria com a Embrapa, promoveu o I Congresso Brasileiro sobre Sistemas Agroflorestais.

Apesar dos Anais do evento registrarem uma predominância de trabalhos com SAFs de baixa complexidade, já era perceptível a preocupação dos pesquisadores com metodologia participativa para diagnóstico e desenho de sistemas, recuperação de áreas degradadas, análise de impactos socioeconômicos e ambientais e desenvolvimento sustentável.

O encontro mostrou, também, uma tendência ao enfraquecimento da ênfase positivista da pesquisa agroflorestal. Ali, abriram-se portas para um modelo com maior equilíbrio entre os papéis da estação experimental, da estatística e da realidade de campo, incluindo o saber local. Até então, a pesquisa agroflorestal tinha poucos profissionais especializados com habilidades e competências para promoverem pesquisa participativa com um cunho social maior. Por isto, perdeu-se muita informação importante de natureza qualitativa e deixou-se de incorporar muito conhecimento acumulado pelos agricultores em suas vivências. A formação acadêmica dos gestores de ciência e tecnologia e dos pesquisadores levava a que isso ocorresse. É certo, porém, que tal deficiência na formação determinou grande atraso para a ciência agroflorestal brasileira.

É importante ressaltar que o I CBSAF – Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais, gerou muitos outros encontros que contribuíram para o aperfeiçoamento da pesquisa agroflorestal brasileira. O VII CBSAF nos deu uma nova oportunidade para discutirmos e atualizarmos nosso modelo de pesquisa, que graças à incorporação de uma maior ênfase na participação dos vários atores e à valorização da narrativa oral dos produtores, tem caminhado no sentido da complexificação dos sistemas e da Agroecologia.

 

II – A valorização da pesquisa agroflorestal

A partir do I CBSAF, ficou mais evidente para a sociedade e para o governo, a dedicação e o rendimento dos pesquisadores agroflorestais brasileiros. Isto fez com que nossas instituições (Universidades, Organizações Estaduais de Pesquisa e Institutos de Pesquisa Federais) atribuíssem maior importância à pesquisa agroflorestal. Uma das maiores representações desta nova postura governamental foi a mudança feita pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, quando promoveu todas as suas Unidades na Amazônia a Centros de Pesquisa Agroflorestal.

Por último, podemos citar a criação do Plano Nacional de Silvicultura com Espécies Nativas e Sistemas Agroflorestais – PENSAF. Este Programa poderá configurar uma nova face da agrofloresta brasileira, com a incorporação de inúmeras espécies nativas como componentes agroflorestais. Espera-se agilização deste Programa e uma maior ênfase na modernização dos modelos de pesquisa durante o detalhamento dos instrumentos de Política Pública.

 

III - A nova pesquisa agroflorestal pública

A nova pesquisa agroflorestal, ao confrontar pesquisa básica e pesquisa aplicada não pode ignorar que o trabalho dos cientistas das instituições de pesquisa depende, fundamentalmente, da pressão de demanda e esta atua nesses dois tipos de pesquisa. Qualquer modelo novo deverá considerar a necessidade de atendimento a públicos diferentes (empresários médios e grandes; agricultores familiares; consumidores), de se ter estratégias diferentes (pesquisa convencional; pesquisa participativa) para cada um deles e, também, do estabelecimento de instâncias de pesquisa diferenciadas (agricultores experimentadores, técnicos experimentadores, investigadores científicos) cada uma delas exercendo um papel específico.

Diferentemente da estratégia da pesquisa para médios e grandes empresários, onde a pesquisa poderá estar mais próxima do modelo convencional, no trabalho com agricultores familiares a estratégia deverá assumir os SAFs como ferramenta para a Agroecologia. Esta, como crítica à agricultura convencional, incorpora na análise dos agroecossistemas os sujeitos sociais vinculados ao manejo dos recursos naturais e propõe alternativas à divisão disciplinar da ciência positivista, incorporando as perspectivas sociocultural, política e ecológica à análise dos sistemas agrícolas.

Outro aspecto importante a ser definido é a priorização das linhas de pesquisa. Apesar desta tarefa obrigatoriamente ser feita a partir de uma discussão com a comunidade agroflorestal brasileira, algumas linhas devem servir de ponto de discussão: i) ampliação do número de componentes; ii) estudos ambientais (água, captura e fixação de CO2; diversidade de espécies; recuperação de áreas degradadas; sistemas de alta diversidade biológica; definição de critérios para pagamentos ambientais); iii) integração de lavoura, pecuária e floresta como estratégia - ILPF; iv) modelagem; v) indicadores de monitoramento; vi) avaliação de impacto; vii) energia; viii) mercado; ix) agregação de valor.

Para o aperfeiçoamento do modelo atual, no sentido de incrementar o diálogo entre a ciência e campo, devem ser postas em discussão, as seguintes premissas:

O sistema agroflorestal deve ser visto pela pesquisa brasileira como uma tecnologia finalística quando relacionado com o negócio agropecuário empresarial, e como uma ferramenta da Agroecologia quando relacionado com os pequenos agricultores familiares. Por isso, as metodologias de pesquisa devem ser diferenciadas em duas vertentes:

A pesquisa participativa, que inclui o diálogo entre a ciência e o campo, deverá constituir a base da pesquisa agroflorestal brasileira voltada para agricultores familiares, enquanto que a pesquisa convencional deverá continuar sendo o modelo para o trabalho com sistemas agroflorestais de baixa complexidade, voltado para médios e grandes empresários.

A pesquisa agroflorestal deve ser compartilhada entre agricultores experimentadores, técnicos experimentadores (de empresas privadas, Organizações Não Governamentais – ONGs,organizações sociais, investigadores científicos (de ONGs, Universidades, Organizações Estaduais de Pesquisa – OEPAS, Institutos Públicos Federais),cada uma destas categorias com instâncias e responsabilidades definidas dentro de uma estratégia participativa.

O protagonismo local deverá caber sempre aos agricultores experimentadores e aos técnicos experimentadores nos territórios ou distritos agroflorestais.

 

 

 

Referências Bibliográficas

CARVALHO, C.D. de. A HISTÓRIA ORAL: uma metodologia de pesquisa em agroecologia. Revista Brasileira de Agroecologia, v.2, n.2, p. 428-431, out. 2007.

REIS, H.A.; MAGALHÃES, L.L. de.; OFUGI, C.; MELIDO, R.C. N. Agrossilvicultura no Cerrado, região noroeste do Estado de Minas Gerais. p. 137-154. In: SISTEMAS Agrossilvipastoris na América do Sul: desafios e potencialidades. Ed. Elizabeth Nogueira Fernandes et al. Juiz de Fora : Embrapa Gado de Leite, 2007, 362p.



[1] Engenheiro Agrônomo, CREA 1.742-D, RN 060511538-9, Doutor em Agricultura, Especialista em Manejo de Agroecossistemas, Sistemas Agroflorestais e Planejamento Agrícola; Aposentado da Embrapa como Pesquisador A da Embrapa Florestas; atual Diretor Geral da Medrado & Consultores Agroflorestais Associados Ltda. site: www.mcagroflorestal.com.br, http://beneficiosdafloresta.blogspot.com; e-mail: mjsmedrado@gmail.com;moacir@mcagroflorestal.com.br

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