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A nova feição da pesquisa florestal brasileira

Moacir José Sales Medrado

O Brasil possui um dos maiores remanescentes de florestas nativas no mundo (cerca de 5,1 milhões de quilômetros quadrados), distribuídos em diversas zonas climáticas e inúmeros biomas, em especial na Amazônia brasileira. Em função disso, é considerado um país megabiodiverso; em 2003, por exemplo, estimou-se que a biodiversidade brasileira, se explorada adequadamente e em sua totalidade, poderia gerar dois trilhões de dólares por ano, cerca de quatro vezes o nosso Produto Interno Bruto naquele ano. Além disso, nossas áreas exploradas com atividades agropecuárias e florestais ainda estão longe de atingirem seu potencial máximo produtivo.

Apesar de explorarmos em grande parte das vezes, senão na maioria das vezes, de forma equivocada nossas florestas, as estatísticas econômicas mostram que o agronegócio florestal brasileiro já representa 5% de nosso PIB, 17% das exportações do agronegócio e 8% do total das exportações brasileiras, gerando 1,6 milhão de empregos diretos e 5,6 milhões de indiretos. Isto diz respeito à borracha natural, madeira, celulose, papel e móveis e seria muito mais impactante se fossem incluídas as atividades ligadas aos demais produtos não-madeireiros e os serviços ambientais.

É certo, que a Embrapa tem contribuído sobremaneira para a melhoria da competitividade do setor florestal com seus projetos sobre conservação e uso de recursos genéticos florestais, controle biológico de pragas e doenças florestais, manejo sustentável de plantações florestais e de florestas naturais, desenvolvimento de modelos de predição de crescimento e avaliação econômica de plantações florestais, aproveitamento de resíduos, dentre outros. Isto é claro, quando se verifica que apenas três de suas tecnologias, o controle biológico da vespa da madeira, o uso do sistema computacional para gestão florestal - SISPLAN e o eucalipto benthami tolerante a geadas ocasionaram um impacto positivo da ordem de R$ 888 milhões de reais, no período de 2004 a 2007. A empresa também está se antecipando na área de genética genômica através do Centro Nacional de Recursos Genéticos – CENARGEN que coordena a Rede Genolyptus – um projeto entre as empresas do setor florestal, Universidade, Institutos de Pesquisa e Governo Federal - importantíssima para a manutenção e crescimento da competitividade das indústrias brasileiras em biomassa de eucalipto.

No mundo, com o aumento da população e do consumo per capta, estima-se um consumo de madeira da ordem de 1,6 bilhão de metros cúbicos/ano, havendo projeções para 2050 (FAO) de dois a três bilhões m3/ano, com um aumento aproximado de 60 milhões m3/ano. Atender à demanda futura sem degradar as florestas naturais somente poderá ser conseguido se aumentarmos a eficiência e eficácia da produção, da exploração e da conversão da matéria-prima.

A pesquisa florestal é um dos caminhos para enfrentar esta situação. No Brasil, ela compreende cerca de 54 instituições de pesquisa, 20 empresas privadas, Universidades Federais como as de Lavras, Viçosa, Paraná, Mato Grosso e estaduais como a de São Paulo, através da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, entre outras.  Estas instituições tem sido responsáveis pelos excelentes rendimentos das principais espécies florestais que contribuem para o crescimento do agronegócio florestal brasileiro, em especial do pínus, eucalipto e acácia-negra. Infelizmente, a exceção do trabalho de organização do conhecimento sobre espécies nativas realizado por algumas instituições nacionais, especialmente a Embrapa Florestas, os resultados com a silvicultura nativas são bem mais modestos, tanto no que diz respeito ao manejo sustentável de uso múltiplo de florestas naturais, quanto à recuperação de ecossistemas florestais e aproveitamento de produtos das florestas naturais.

Neste século, a pesquisa florestal certamente será mais exigida, pois se desenha um cenário em que as técnicas moleculares complementarão as de melhoramento genético convencional; haverá uma integração interdisciplinar da engenharia genética, técnicas in vitro, cruzamentos convencionais e bioinformática; e o mapeamento e análise da biodiversidade se constituirão no ponto central para a manutenção do germoplasma, para o controle biológico e para os processos simbióticos. Tudo isto associado ao estabelecimento de um sistema de informação florestal que democratize os conhecimentos disponíveis e pelo investimento dos setores públicos e privados na pesquisa.

Para atender a esse novo perfil, os institutos de pesquisa públicos e privados, especialmente a Embrapa, terão que investir no planejamento estratégico, na profissionalização de seus gestores em ciência e tecnologia, na melhoria de sua infraestrutura de pesquisa, na incorporação de competências em áreas portadoras de conhecimento, na atualização constante de seu já experiente quadro de profissionais e na modernização de seus modelos institucionais. Na Embrapa, a exceção do modelo de pesquisa tem-se desenvolvido várias ações.

O modelo de pesquisa florestal pouco mudou em relação a 1978, quando recebeu a incumbência do antigo Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, para coordenar a pesquisa florestal brasileira. As únicas mudanças visíveis foram: a) a criação de um Centro Nacional de Pesquisa Florestal, hoje denominado de Embrapa Florestas, em Colombo, Paraná; b) a criação dos Centros de Pesquisa Agroflorestais na Amazônia; c) o encerramento do Programa de Pesquisa Florestal em função a mudança de figuras programáticas da empresa; d) o cancelamento do trabalho da rede de melhoramento em pinus e eucalipto junto às empresas florestais nacionais; e por último e) a criação de uma representação da pesquisa florestal da empresa junto ao Labex USA. Modificações, essas, em nosso entendimento, insuficientes para o atendimento da pressão de demanda atualmente existente no Brasil e dos desafios do século.

No passado, a grande pressão de demanda nacional vinha das grandes empresas ligadas aos setores de celulose e papel localizadas nas regiões Sul e Sudeste. Hoje a visão da sociedade ultrapassa a fase dos compartimentos (social; econômico; ambiental) e atinge uma fase de conhecimento holístico sobre o papel da floresta e das plantações florestais na sociedade. Hoje, mais que nunca a maioria das questões levantadas somente pode ser resolvida com a adoção de um enfoque interinstitucional e interdisciplinar que combine metodologias das ciências sociais e biológicas, incluindo economia, geografia e sociologia.

As pressões de demandas nacionais, também, não dizem respeito apenas às grandes empresas ligadas aos setores de papel e celulose, localizados nas regiões Sul e Sudeste, como ocorria na década de 1970 quando a Embrapa deu início à pesquisa florestal. Elas chegam de várias direções: a) das empresas produtoras de matéria prima para fabricação de celulose e papel, móveis e aço; b) dos pequenos agricultores familiares produtores de madeira para usos múltiplos; b) das cooperativas agropecuárias que necessitam de biomassa para secagem de seus grãos e para aquecimento de suas instalações avícolas, por exemplo; c) dos pecuaristas que necessitam de materiais e sistemas adequados para arborização de suas pastagens; d) dos ambientalistas que exigem sistemas de produção florestal sustentáveis do ponto de vista social, econômico e ambiental e um maior conhecimento de nossa biodiversidade no sentido de transformá-la em recursos econômicos de forma sustentável; e) do governo que necessita de um setor florestal forte que dinamize ainda mais a sua economia.

A globalização econômica e as estimadas mudanças climáticas globais são suficientes para exigir que a “engenharia” da pesquisa florestal brasileira moderna, necessariamente, tenha que ser capaz de estabelecer uma estrada de mão dupla entre o local e o global e construir pontes entre as diversas ciências sob a égide de uma política agrícola bem definida e acompanhada de mecanismos retroalimentadores a partir de interessantes programas de inventário florestal e monitoramento das florestas e das atividades florestais.

Assim sendo, espera-se que a “nova feição” da instituição protagonista do novo Sistema de Investigação Florestal – SINFLOR brasileiro não se restrinja, tão somente, ao objetivo de maximizar a produção sustentada de matéria-prima florestal. Ela deverá, mostrar capilaridade nacional, prestígio e atuação internacional, além de ter foco multiinstitucional e global ao contrário da maioria das instituições de pesquisa florestal brasileiras cujo foco é, essencialmente, biológico e local. O protagonismo institucional deverá estar assentado na capacidade de construir efetivas redes de pesquisa de caráter nacional e internacional e na atuação em programas internacionais nas várias direções. Nesse contexto, certamente, a Embrapa apresenta algumas vantagens comparativas em relação às demais instituições nacionais e, portanto, poderia vir a exercer um papel “enzimatizador” do SINFLOR.

Pelo fato de ser reconhecida pela sociedade brasileira, pelo mundo científico e pelo governo como um centro de excelência, a Embrapa tem plena condição de exercer o papel de “braço técnico” do governo federal na construção de uma política de investigação científica florestal. Política esta, a ser estabelecida a partir de uma grande discussão nacional, visando à construção de uma governança da pesquisa florestal nacional, incorporando representações de Universidades, Institutos Públicos e Privados de Pesquisa Florestal, Empresas Estaduais de Pesquisa, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ, Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, Federações de Indústrias dos estados, Federações de Organizações Não Governamentais e Sindicatos representativos dos interesses florestais nacionais. Antes disso, certamente, serão necessárias a modernização do modelo de pesquisa da empresa e a flexibilização da mesma do ponto de vista de execução orçamentária e financeira.

Do ponto de vista da pesquisa, não é mais sustentável o modelo atual, em que uma única unidade – a Embrapa Florestas – tem a responsabilidade de executar a pesquisa florestal da empresa sem ter, Inclusive, o mandato para coordená-la nacionalmente. Portanto, para que a Embrapa possa assumir um papel de protagonista da pesquisa florestal brasileira será necessária a devolução, à Embrapa Florestas, da prerrogativa de exercer o planejamento e a coordenação nacional da política florestal da empresa, contando com o apoio de uma rede de Unidades de Referências Temáticas que coordenem o avanço do conhecimento florestal em diferentes áreas, como por exemplo: a) genética genômica - CENARGEN; b) produtos energéticos de segunda e terceira geração – Embrapa Agroenergia; c) manejo florestal sustentável de uso múltiplo de floresta tropicais úmidas – CPATU e CPAA; d) mudanças climáticas globais e serviços ambientais - Embrapa Meio Ambiente; Geotecnologias Florestais -  Embrapa Monitoramento por Satélite; e) modelagem de sistemas florestais e agroflorestais – Embrapa Informática Agropecuária. Desta forma, caberia à Embrapa Florestas no aspecto operacional apenas a continuidade das atividades que ela tem demonstrado ser excelência e que diz respeito ao inventário nacional, ao desenvolvimento de sistemas para manejo de plantações florestais para usos múltiplos e controle biológico de pragas das principais plantações florestais. Uma outra possibilidade será a criação de um Departamento de Pesquisa Florestal na empresa e a redefinição das atribuições da Embrapa Florestas que passaria a atuar, essencialmente, na pesquisa em assuntos que digam respeito às plantações florestais comerciais.

Em quaisquer das condições, o protagonismo da Embrapa no SINFLOR estaria dependente do estabelecimento de novos perfis profissionais e de novas competências visando à readequação dos investigadores científicos florestais atuais e contratação de inúmeros outros. Também seria imprescindível a ampliação da capacidade de construção de redes nacionais e internacionais que dependerá de estabelecimento e utilização de mecanismos modernos de comunicação de altíssima velocidade, de ampliação da liberdade administrativa da empresa para lidar com as questões de recepção e transferência de recursos e de modernização de sua infra-estrutura e das demais instituições componentes do SINFLOR. Não será possível, também, caminhar rumo ao futuro, com empresas públicas ligadas à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – P&D&I cuja complexidade, do ponto de vista de execução orçamentária e financeira e de contratação de pessoal, seja capaz de desencorajar parcerias nacionais e internacionais, principalmente entre o público e o privado.

Sumarizando, o fato é que no mundo moderno ocorreram mudanças importantes em relação à forma de manejar as florestas e as plantações florestais comerciais, aos objetivos do manejo e mesmo, em relação aos manejadores (empresas, comunidades, consórcios, etc.). Também é notório que os modelos das instituições de pesquisa florestal, por várias circunstâncias, não somente no Brasil mas em todos os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento – até mesmo em alguns desenvolvidos - estão defasados e dificultando, inclusive, o trabalho de importantes instituições mundiais como a União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal - IUFRO, a Organização das Nações para Agricultura e Alimentação - FAO e o Centro Internacional para Pesquisas Florestais – CIFOR, dentre outras. Por isto, tornam-se necessárias profundas modificações nos sistemas de pesquisa florestal no mundo e na forma de agir de gestores e investigadores científicos florestais.

Este texto alimentou o seguinte capítulo de livro da IUFRO

Cashore, Benjamin, Glenn Galloway, Frederick Cubbage, David Humphreys, Pia Katila, Kelly Levin,
Ahmad Maryudi, Constance McDermott, Kathleen McGinley, Sebastião Kengen, Moacir José Sales Medrado,
María Cristina Puente, August B. Temu and Ederson Augusto Zanetti. 2010. Ability of Institutions to
Address New Challenges. Chapter 23. In: Forests and Society – Responding to Global Drivers of Change. Editors: Gerardo Merry, Pia Katila, Glenn Galloway, Rene I. Alfaro, Markku Kanninen, Maxim Lobovikov and Jari Varjo. IUFRO World Series Volume 25. p. 441-486. CD/Hard Copy/IUFRO Web Site.

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